Em Medievo, você vai se aventurar pela Baixa Idade Média — a chamada Era das Trevas — onde o homem convivia muito próximo da morte, que por muitas vezes impunha seu rigor, fosse pelas doenças que castigavam populações inteiras, pelas invasões de povos inimigos, pelo medo constante de um ataque mouro, pela mão de ferro da igreja católica, pelos movimentos heréticos, pelas sociedades secretas e seus ideais ou ainda pelas tramas políticas e religiosas do próprio sistema feudal.
ORGANIZANDO A AVENTURA
A mesma dedicação e cuidado que os jogadores devem dar a construção dos personagens, o narrador deve ter com a criação da aventura. É um momento importante, pois após o passo a passo apresentado no capítulo dois, o narrador deve ter em mente o que os jogadores esperam da aventura.
1º Passo: O que os jogadores esperam?
Durante a construção dos personagens, os jogadores através das suas escolhas e ações durante a dinâmica de interação para definir o aspecto interpessoal, eles vão apresentar de forma indireta coisas que eles gostariam de ver na aventura, fique atento a esse momento, e faça anotações se possível.
2º Passo: local e época
Escolha um recorte histórico da Baixa Idade Média, uma situação onde você pode inserir o grupo. O ano em que ocorre a estória, e qual cidade, vila ou vilarejo será o local de partida para a aventura. Nada impede que você narrador crie o seu vilarejo esquecido por deus, no interior da França, Itália ou Inglaterra. Nesse momento comece a juntar as ideias que apareceram no 1º e 2º passo, para esse momento aconselho a leitura do Despreparado Nunca do Phil Vecchione, onde ele apresenta cinco passos (brainstorm, seleção, conceitualização, documentação e revisão) para a preparação de uma sessão.
3º Passo: a estrutura
Após seguir os dois primeiros passos, é necessário que o narrador responda as cinco perguntas sobre a sua aventura: Quando? Referente em que época ou ano a aventura ocorre. Onde? Local de partida, ou onde a trama se desenrola. Que? Qual o problema que ocorre no local. Porque? Qual o motivo dos boatos, e porque os personagens se envolveriam. Quem? Pessoas que estão envolvidas no problema, seja para causa-lo ou soluciona-los.
Exemplo:
Aventura |
A Noite dos Mortos Vivos |
Quando? |
Sul da França, Vila de Lerrian. |
Que? |
Um pequeno grupo de refugiados está migrando para o sul, acompanhado de alguns saltimbancos, que afirmam que ao Sul, a peste não chegou. Mas ao chegar ao vilarejo de Burgos, terão uma surpresa. |
Porque? |
Os refugiados acreditam nos boatos que a peste não chegou ao Sul. |
Quem? |
Padre Pierre, o sacerdote de Burgos; León, líder dos saltimbancos. |
Uma sessão deve ter entre 3 ou 5 cenas, isso não é uma estatística exata, mas sim uma média para um jogo de 2 a 3 horas com um grupo interativo. Para a definição das cenas, o narrador deve descrever a cena em um parágrafo, definir a trilha sonora (opcional), definir quais as técnicas de interação serão usadas na cena, fazer uma lista de sugestões do que pode ocorrer mediante as ações dos personagens e listar os desafios.
Exemplo:
Primeiro Ato |
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A Floresta Negra |
Em sua viagem para o Sul, o grupo encontra um forte nevoeiro durante o crepúsculo. Pouco após o cair da noite, o nevoeiro começa a baixar, mas não chega a desaparecer completamente. Os refugiados se descobrem em uma floresta sem cores, onde existe apenas o preto e o branco em contraste com a lua cheia. O nevoeiro não cede totalmente e os integrantes da comitiva passam enxergar vultos entre as arvores e a ouvir sons sobrenaturais. |
Trilha Sonora |
The Healing Montage, The Wolfman OST. |
Técnica de cena |
Nesse momento o mestre pode pedir para os jogadores fazerem o método de problemática e solução, pedindo para que os jogadores em sentido horário digam uma complicação que ocorreu na floresta, e que o personagem ao seu lado esquerdo apresente uma solução. O jogador seguinte deve, por sua vez, apresentar mais uma complicação para o próximo, seguindo assim até retornar ao jogador inicial. O narrador deve ficar atento aos elementos que surgirão das problemáticas e soluções, de forma a inseri-las na aventura. |
Problemas |
a) A floresta abriga um grupo de assaltantes da estrada, quepregam peças nos viajantes para assusta-los e roubar seuspertences.b) A floresta possui um poço repleto de esqueletos humanos e emsuas proximidades foi vista uma figura não humana. |
Desafios |
a) Assaltantes da estradaNível de dificuldade: 2Armadura: -2, Fé: 1 e Saúde: 10.Aspectos: roubar, dissimulação e ventriloquíssimo, lutar com espadas curtas e beberrão.Arma: espada curta – 6d. |
Essa estrutura deve ser feitas para todas as cenas definidas e uma sessão. Deixe a aventura em aberto, pois escrevê-la nos mínimos detalhes aumenta a possibilidade de frustração entre narrador e jogadores, eu costumo dizer que o narrador quer escrever uma estória inesquecível, e os jogadores querem fazer história em sua estória.
Muitos grupos usam inúmeras formas de fazer o feedback da sessão; conversas no pós sessão sempre ocorrem, mas também podem ser feitos: relatos, diários e cronologias. a) Relatos: os jogadores escrevem os fatos ocorridos em uma sessão pela visão de um espectador, que pode se um personagem de cenário criados pelos mesmos. b) Diário: a cada sessão um jogador é escolhido para fazer o relato da sessão pela ótica do seu personagem. c) Cronologia: ao fim da sessão o grupo elenca os fatos importantes ocorridos na sessão, e fazem a listagem de acordo com o dia em mundo de jogo que tais fatos ocorreram. Essas formas de registro apresentam uma análise para feedback, pois os jogadores costumam dar ênfase nos relatos que mais observaram os seus personagens como protagonistas, e as cenas empolgantes.
CRIANDO DESAFIOS
Ao partir em uma jornada, o personagem pode se deparar com vários desafios, desde ladrões, cavaleiros de um feudo rival, povos inimigos e até o sobrenatural. A cultura do Medievo está repleta de criaturas da nossa imaginação, como vampiros, lobisomens, demônios, gárgulas e muitas outras, que ansiavam por perturbar a ordem medieval.
A construção de desafios segue um processo simplificado em relação ao da criação de heróis. O Narrador não rola dados em Medievo, então resta a ele definir a dificuldade do desafio mediante a tabela de dificuldades contida no capítulo três. Aconselha-se ao narrador, a coerência requerida aos jogadores na hora de construir os seus desafios. Em caso de personagens sobrenaturais, é necessário tomar doses extras de cautela, para não fugir da natureza essencial do mito e deixar a jornada prazerosa apenas para o Narrador — e não para os jogadores.
O narrador deve definir o nível de dificuldade dos desafios, pois esse será o parâmetro para a rolagem do jogador contra as ações dos desafios. Após as dificuldades, o narrador deve a armadura, pontos de fé e a saúde do desafio, que pode variar de acordo com a importância do mesmo para a cena. Em caso de rolagem de Vontade, o jogador deve fazer uma segunda rolagem, visando superar a dificuldade de vontade, que será o nível de dificuldade do desafio. Por último definir os aspectos principais dos desafios, sugere-se algo entre 2 a 5 aspectos, dependendo da importância do desafio. Quando a ação for referente a um aspecto positivo do desafio, a dificuldade sobe um passo. Em um aspecto negativo desce um passo. Usando Pontos de Fé, os jogadores podem diminuir a dificuldade de suas ações em um passo. Escolha as armas e o dano das mesmas. E em caso de um desafio em especial, ele pode ter alguma habilidade extra, como no exemplo:
a) O Lobisomem de Clermont Nível de dificuldade: 3 Armadura: -4, Fé 3 e Saúde 30.
Aspectos: ágil, sentidos aguçados, furtivo e fúria. Arma: Garras 4d e Mordida 6d.
Especial: só pode ser ferido com armas de prata.
b) Assaltantes da estrada Nível de dificuldade: 2 Armadura: -2, Fé: 1 e Saúde 10.
Aspectos: roubar, dissimulação e ventriloquíssimo, lutar com espadas curtas e beberrão. Arma: espada curta – 6d.
c) Ratazanas
Nível de dificuldade: 1 Armadura: 0, Fé: 0 e Saúde 4.
Aspectos: roubar, dissimulação, sentidos aguçados e ágil Arma: dentes 1d
Especial: transmissão de doenças
IMERSÃO, INTERPRETAÇÃO E DIVERSÃO
O que os jogadores querem? O que você narrador quer? E nessa linha tênue entre essas duas perguntas que a sua história deve andar, e para um resultado que satisfaça aos dois interessados, jogadores e narradores, o segundo deve ter atenção com três coisas: imersão, interpretação e diversão. Há uma probabilidade de não haver uma boa sessão, quando essas coisas não estão em harmonia.
Imersão
A imersão é essencial para que o grupo se sinta parte do cenário apresentado, o narrador deve estar preparado para descrever locais, aromas e sabores do ambiente e as particularidades do cenário. Não precisa ser um Tolkien, e gastar horas afins descrevendo a flora e a fauna do local, mas sim os detalhes essenciais, que seja o diferencial daquele lugar, como um cheiro forte em um castelo abandonado, denotando algum perigo e as marcas recente ao redor do castelo, que mostra que o mesmo está sendo utilizado por algo ou alguém. Descreva detalhes que serão uteis aos jogadores e a narrativa, mas nunca descreva uma cena desse modo: “vocês lembram do filme X? Pois vocês estão naquela cena, o que fazem? ” Isso não quer dizer que o narrador não possa se inspirar em um filme ou serie, mas deixem que os jogadores descubram a referência, não precisa ser tão direto.
A música é um aspecto importante, mas não obrigatório, uma boa trilha, encaixada na situação correta é capaz de dar o clímax na cena e fazerem os jogadores entrarem de vez no personagem e no cenário. Se você seleciona as músicas no celular, faça uma playlist no seu aplicativo de música favorito, pois facilita bastante a procura e a utilização das faixas. Com o tempo, os mesmos estarão associando as trilhas com as situações que estão por vir, e essa resposta será espontânea, e irá colaborar com o próximo passo a ser debatido, a interpretação.
Interpretação
O que é Interpretação? Nos últimos anos tenho observados vários debates, e nem sempre se chegam a um entendimento, sobre o que é a interpretação, inclusive já observei debates que se fundamentaram em Interpretar x Atuação, não quero entrar no mérito dessa discursão, e também não nos significados das palavras. Mas segundo Phil Vecchione, “Interpretar é atuar e falar como o personagem, falar com os personagens do narrador”. Outra boa referência para essa questão da interpretação, é a primeira faixa do CD do First Quest versão em português, lançado pela editora Abril (1995).
A interpretação é fundamental no processo de imersão, dê características aos personagens, pois os jogadores os vão reconhecer pela fala ou a forma de comportamento. Não esqueça que os personagens do narrador também fazem planos, eles não ficam estáticos aguardando os jogadores agirem. Uma boa sugestão e simular um método muito usado nos games, quando o narrador descreve cenas que estão ocorrendo em outro lugar, o famoso "enquanto isso em outro lugar".
Diversão
As pessoas se reúnem e formam grupos para jogar RPG e se divertir. E com base na diversão que a sessão deve ser construída, e pensando em uma diversão coletiva, por isso a necessidade de ouvir e debater o que os jogadores esperam da aventura, e o narrador também deve mostrar o que ele espera dos jogadores, com bases nos anseios dos interessados construir uma ideia coletiva de aventura. Evite ser aquele narrador que promete imersão e não diversão, ou vice e versa ambas as coisas precisam caminhar juntas para que a sessão e posteriormente a aventura flua bem.
FERRAMENTAS DO NARRADOR
Alguns acessórios são indispensáveis para se jogar uma sessão de RPG, quando falamos isso pensamos em livro de regras, dados, narrador e jogadores. Sim, isso é o básico, mas algumas outras coisas são essências para uma das partes envolvidas no processo de uma sessão de RPG, e estamos falando do Narrador.
Quando falamos de ferramentas do narrador estamos falando de acessórios que acabam se torna indispensáveis durante a sessão, coisa que podem parecer inúteis, mas são muito úteis: lápis para as anotações, borrachas, papeis para as anotações sejam dos narradores ou dos jogadores, caderno com as referências (fichamentos, anotações de personagens e locais, estrutura da aventura, lista de nomes aleatórias, e lista de músicas e situações em que elas se encaixem), marca páginas e caixa de som.
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